Nanã Burukú

Nanã Burukú, a senhora dos mistérios, é a deusa das águas paradas, da lama e da vida eterna. Mãe ancestral, governa o ciclo da vida e da morte, simbolizando sabedoria, justiça e renovação. Respeitada e temida, Nanã é a guardiã dos segredos do universo.

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nana

A Senhora dos Mistérios

Nanã Burukú, a deusa dos mistérios profundos e da vida eterna, é uma divindade cuja origem se confunde com a própria criação do mundo. Segundo a mitologia iorubá, quando Odudua, o criador, separou as águas paradas que já existiam e liberou a terra do "saco da criação", no ponto de contacto entre a água e a terra formou-se a lama dos pântanos. Foi nesse limbo entre o líquido e o sólido, entre o fluido e o estático, que Nanã emergiu como a guardiã dos segredos mais profundos da existência. Ela é a senhora dos pântanos, dos lagos e das águas paradas, lugares onde a vida e a morte se entrelaçam em um eterno ciclo de transformação.

Seu nome, Nanã, carrega em si um peso ancestral. Para os povos Jeje, originários do antigo Daomé (atual República do Benin), Nanã significa "mãe", e ela é reverenciada como a grande matriarca, a mãe primordial. Em algumas tradições, ela é até mesmo considerada a divindade suprema, sendo frequentemente descrita como um orixá de gênero ambíguo, o que reforça sua natureza complexa e multifacetada. Nanã é a anciã por excelência, a Iyá Agbà, a mãe antiga que carrega consigo a sabedoria dos tempos imemoriais.

Mãe dos Orixás e Guardiã da Ancestralidade

Nanã é a mais antiga das divindades das águas, e sua presença é fundamental no panteão dos orixás. Ela é a mãe de Iroko, a árvore sagrada que conecta o céu e a terra; de Obaluaiê, o senhor das doenças e da cura; e de Oxumaré, o orixá do arco-íris e da transformação. Por ser a mais velha, ela é respeitada como mãe por todos os outros orixás, que a veem como a guardiã dos fundamentos mais sagrados do candomblé.

Nanã é a memória viva do nosso povo. Ela carrega consigo as histórias, os segredos e os ensinamentos dos ancestrais. Sua presença é um lembrete constante de que a vida é um ciclo contínuo, onde o fim de uma jornada é apenas o começo de outra. Ela é o princípio, o meio e o fim; o nascimento, a vida e a morte. Em sua essência, Nanã é a própria História, a narrativa que tece o destino da humanidade.

Senhora da Vida e da Morte

Nanã é a deusa que domina os mistérios da vida e da morte. Ela é a água parada, que pode ser tanto fonte de vida quanto de destruição. Sua lama é o barro primordial, a matéria-prima da criação, mas também o local onde os corpos retornam após a morte. Nanã é a dona do axé, a força vital que permeia todas as coisas, e é ela quem permite o nascimento dos deuses e dos homens.

Nos primórdios da humanidade, quando o homem se deparou com o mistério da morte, foi Nanã quem ofereceu consolo e entendimento. Os mortos eram enterrados em posição fetal, simbolizando o retorno ao útero da terra, ao ventre de Nanã, onde aguardariam o renascimento. Essa prática revela a profunda conexão entre a morte e a vida, um ciclo que Nanã governa com sabedoria e serenidade.

Para aqueles que temem a morte, Nanã pode parecer uma figura austera e implacável. No entanto, para os que entendem que a morte é apenas uma transição, ela é a mãe amorosa que guia seus filhos para o próximo estágio de existência. Nanã ensina que a verdadeira imortalidade não está no corpo, mas na essência da alma, que transcende o tempo e o espaço.

Filhos de Nanã: Calma, Sabedoria e Dignidade

Os filhos de Nanã são pessoas que carregam consigo a aura de serenidade e a sabedoria ancestral da grande mãe. São indivíduos calmos, que agem com uma lentidão quase ritualística, como se tivessem toda a eternidade para cumprir suas tarefas. Essa característica pode, por vezes, irritar aqueles que estão ao seu redor, mas é justamente essa paciência que lhes permite tomar decisões ponderadas e justas.

Fisicamente, os filhos de Nanã muitas vezes aparentam mais idade do que realmente têm, como se carregassem consigo o peso das eras. Eles podem desenvolver precocemente problemas de saúde relacionados à idade, como dores reumáticas e problemas nas articulações, mas isso não os impede de viver com dignidade e respeito. São pessoas que valorizam o passado, as tradições e as memórias, e muitas vezes se tornam guardiões das histórias e dos ensinamentos de suas famílias e comunidades.

Apesar de sua natureza calma, os filhos de Nanã podem ser teimosos e guardar rancor por longos períodos. No entanto, sua capacidade de perdoar, especialmente aqueles que amam, é uma de suas maiores virtudes. Eles são bondosos, decididos e respeitáveis, características que refletem a grandeza da deusa que os guia.

Cotidiano: A Mãe que Guia e Protege

Nanã não é apenas uma divindade distante, adorada em rituais e cerimônias. Ela está presente no quotidiano de seus filhos, guiando-os através dos desafios da vida e oferecendo-lhes proteção e sabedoria. Conhecer Nanã é conhecer a si mesmo, pois ela é a personificação do ciclo da vida, da morte e do renascimento.

Ela é a luz que ilumina os caminhos mais obscuros, a mãe que acolhe seus filhos nos momentos de dor e incerteza. Nanã ensina que a morte não é o fim, mas uma passagem necessária para o renascimento. Ela é a juíza que castiga os faltosos, mas também a mãe que perdoa e oferece uma nova chance àqueles que se arrependem.

Representação e Simbologia de Nanã

Nanã é frequentemente representada como uma anciã, vestida com roupas simples e escuras, carregando um ibiri, um cetro feito de fibras de palmeira, que simboliza sua conexão com a terra e a ancestralidade. Seu colar de búzios, o "lagidibá", é um símbolo de sua sabedoria e poder, e cada búzio carrega consigo um segredo, uma história, um mistério.

Seus rituais são realizados à beira de lagos ou pântanos, onde a água parada reflete a serenidade e a profundidade de sua essência. Durante as festas em sua homenagem, seus filhos dançam com movimentos lentos e ponderados, como se estivessem caminhando sobre a lama dos pântanos, conectados à terra e à água, à vida e à morte.

Nanã Burukú é mais do que uma deusa; ela é a personificação do ciclo eterno da existência. Ela nos lembra que a vida e a morte são duas faces da mesma moeda, que o fim de uma jornada é o começo de outra. Ela é a mãe que nos acolhe, a juíza que nos ensina, e a guardiã que nos protege.

Em um mundo cheio de incertezas e mistérios, Nanã nos oferece a sabedoria ancestral e a certeza de que, independentemente do que enfrentemos, estamos sempre sob o cuidado da grande mãe. Ela é a lama que nos molda, a água que nos purifica, e a terra que nos acolhe no final de nossa jornada. Salubá, Nanã! Que seus mistérios continuem a nos guiar e a nos ensinar, hoje e sempre.

Características Gerais

  • Origem: Nanã é uma divindade de origem Jeje, do antigo Daomé (atual República do Benin), mas foi incorporada ao panteão dos orixás iorubás. Sua existência remonta aos primórdios da criação do mundo.
  • Personalidade: Nanã é uma deusa complexa, que combina serenidade e severidade. Ela é ao mesmo tempo maternal e austera, acolhedora e implacável.
  • Aparência: É representada como uma anciã, vestida com roupas simples e escuras, simbolizando sua conexão com a morte e a terra. Seu olhar é profundo, carregado de sabedoria ancestral.
  • Temperamento: Calma, paciente e ponderada, mas também teimosa e rancorosa quando necessário. Ela é justa e sábia, mas não hesita em punir aqueles que desrespeitam suas leis.

Elementos e Símbolos

  • Elementos:
    • Água Parada: Representa a vida e a morte, a estagnação e a renovação.
    • Lama: Simboliza o barro primordial, a matéria da criação e o local onde a vida e a morte se encontram.
    • Terra: Conectada aos pântanos e ao solo fértil, onde a vida brota e para onde os corpos retornam.
  • Símbolos:
    • Ibiri: Um cetro feito de fibras de palmeira, que representa sua conexão com a ancestralidade e a terra.
    • Búzios: Seu colar de búzios, o "lagidibá", carrega segredos e mistérios, simbolizando sua sabedoria e poder.
    • Pássaros: Corujas e outras aves noturnas, que representam a conexão com o mundo espiritual e os mistérios da noite.

Domínios e Poderes

  • Domínios:
    • Morte e Renascimento: Nanã governa o ciclo da vida e da morte, sendo a guardiã dos segredos da existência.
    • Águas Paradas: Ela controla as águas estagnadas, como lagos e pântanos, que são fontes de vida e transformação.
    • Terra e Fertilidade: Nanã está ligada à terra fértil, onde a vida brota e para onde os corpos retornam após a morte.
  • Poderes:
    • Criação e Destruição: Ela é capaz de dar vida e de tirá-la, governando o ciclo natural da existência.
    • Sabedoria Ancestral: Nanã detém o conhecimento dos ancestrais e dos segredos do universo.
    • Proteção e Justiça: Ela protege seus filhos e pune aqueles que desrespeitam as leis naturais e espirituais.

Ritualísticas e Oferendas

  • Ritualísticas:
    • Locais de Culto: Seus rituais são realizados à beira de lagos, pântanos ou em locais onde a água e a terra se encontram.
    • Danças e Cantos: As danças em homenagem a Nanã são lentas e ponderadas, refletindo sua natureza calma e sábia. Os cantos evocam sua presença e pedem sua proteção.
    • Vestimentas: Durante os rituais, seus filhos vestem-se com roupas simples e escuras, muitas vezes carregando o ibiri como símbolo de sua conexão com a deusa.
  • Oferendas:
    • Comidas: Ebô (mingau de milho), feijão preto, canjica e frutas como o mamão.
    • Bebidas: Água, vinho de palma e bebidas fermentadas.
    • Objetos: Búzios, flores brancas e velas azuis ou roxas.
    • Animais: Galinhas d'angola e pombos, que são sacrificados em sua homenagem.

Mitos e Histórias

  • Origem de Nanã: Segundo a lenda, Nanã surgiu da lama formada pelo encontro das águas paradas e a terra liberada por Odudua. Ela é a guardiã dos pântanos, onde a vida e a morte se entrelaçam.
  • Nanã e os Orixás: Nanã é a mãe de Iroko, Obaluaiê e Oxumaré. Ela é respeitada por todos os orixás como a mãe primordial, a guardiã dos fundamentos mais sagrados.
  • Nanã e a Morte: Em um mito, Nanã ensinou aos humanos o significado da morte, mostrando que ela não é o fim, mas uma passagem para o renascimento. Ela é a guardiã dos segredos da vida após a morte.
  • Nanã e a Justiça: Em outra história, Nanã puniu um homem que desrespeitou as leis da natureza, transformando-o em uma árvore para que ele aprendesse a importância do equilíbrio e do respeito.

Culto e Devoção

  • Festas e Celebrações: Nanã é homenageada em festas como a "Festa de Nanã", onde seus filhos dançam, cantam e oferecem presentes em sua homenagem. Essas celebrações são marcadas por rituais de purificação e renovação.
  • Templos e Santuários: Seus templos são construídos próximos a lagos ou pântanos, onde a água e a terra se encontram. Esses locais são considerados sagrados e são cuidados com grande devoção.
  • Devoção Pessoal: Seus filhos costumam usar colares de búzios e manter altares em suas casas, onde oferecem comida, bebida e velas em sua homenagem. Eles buscam sua proteção e sabedoria em momentos de dificuldade.

Filhos de Nanã

  • Características:
    • Personalidade: Calmos, pacientes e ponderados, mas também teimosos e rancorosos.
    • Aparência: Frequentemente aparentam mais idade do que realmente têm, carregando uma aura de sabedoria e serenidade.
    • Saúde: Podem desenvolver problemas de saúde relacionados à idade, como dores reumáticas e problemas nas articulações.
  • Comportamento:
    • Bondosos e Respeitáveis: Agem com dignidade e gentileza, valorizando a família e as tradições.
    • Teimosos e Rancorosos: Podem guardar rancor por longos períodos, mas também têm grande capacidade de perdoar.
    • Conectados ao Passado: Valorizam as memórias e as histórias, muitas vezes se tornando guardiões das tradições familiares e comunitárias.
  • Influência na Arte: Nanã é frequentemente representada em esculturas, pinturas e literatura, simbolizando a sabedoria ancestral e o ciclo da vida e da morte.
  • Música e Dança: Seus ritmos e cantos são marcados por uma cadência lenta e solene, refletindo sua natureza calma e sábia.
  • Literatura e Cinema: Nanã aparece em diversas obras literárias e cinematográficas, muitas vezes como uma figura misteriosa e poderosa, que guia os personagens através de desafios e transformações.

Curiosidades e Informações Adicionais

  • Sincretismo Religioso: No Brasil, Nanã é frequentemente associada a Sant'Ana, a avó de Jesus, devido à sua representação como uma anciã sábia e maternal.
  • Cores: As cores associadas a Nanã são o azul e o roxo, que representam a profundidade das águas paradas e a conexão com o mundo espiritual.
  • Dia da Semana: Seu dia de culto é o sábado, quando seus filhos realizam rituais e oferendas em sua homenagem.

Nanã Burukú é uma das divindades mais complexas e fascinantes do panteão dos orixás. Ela personifica o ciclo eterno da vida e da morte, a sabedoria ancestral e a justiça divina. Seus mistérios e ensinamentos continuam a guiar e inspirar aqueles que buscam compreender os segredos da existência. Salubá, Nanã! Que sua luz continue a iluminar nossos caminhos, hoje e sempre.